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Reparação

  • Foto do escritor: anabelacunhapsi
    anabelacunhapsi
  • 19 de jan.
  • 3 min de leitura
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A reparação, na perspectiva da psicanálise relacional, é compreendida como um processo essencialmente vincular. Emerge da dinâmica intersubjetiva, em que o sujeito procura restaurar a harmonia nas relações afetadas por rupturas ou conflitos. Diferentemente de um conceito exclusivamente intrapsíquico, como em algumas vertentes da psicanálise clássica, na abordagem relacional, a reparação acontece no contexto do encontro com o outro — um movimento que precisa de empatia, reciprocidade e co-construção.


Ruturas e reparação como experiências humanas universais

A experiência humana é inevitavelmente marcada por ruturas. Desde os primeiros anos de vida, momentos de desconexão com os cuidadores primários deixam marcas que podem ser experienciadas como fracassos empáticos ou ausências emocionais. Esses momentos, no entanto, não são determinantes em si; é na possibilidade de reparação que se constrói o alicerce da segurança emocional.

Donald Winnicott, embora não inserido estritamente no campo relacional, já indicava que um ambiente suficientemente bom permitia a reconexão após as falhas. A psicanálise relacional amplia essa ideia, afirmando que não é apenas a mãe ou o cuidador quem deve reparar, mas que o sujeito também participa ativamente da reconstrução do vínculo, especialmente nas relações adultas.


O papel do psicoterapeuta no processo de reparação

No setting terapêutico, a reparação ocorre de forma viva e contingente. A psicanálise relacional enfatiza o papel do psicoterapeuta não como uma figura neutra e distante, mas como um participante ativo na dinâmica intersubjetiva. A relação terapêutica torna-se um espaço onde as ruturas podem ser revisitadas, vivenciadas e transformadas.

Por exemplo, momentos de mal-entendidos, frustrações ou desentendimentos entre o psicoterapeuta e o paciente são inevitáveis, mas também essenciais. Quando reconhecidas e abordadas de forma responsiva, essas falhas permitem que o paciente experimente algo novo: a possibilidade de que relações significativas não precisem ser destruídas pelas falhas, mas que possam ser fortalecidas através da reparação.


O campo intersubjetivo da reparação

A teoria relacional defende que o campo intersubjetivo é cocriado. A reparação, nesse sentido, envolve o reconhecimento do impacto que se teve no outro e a abertura para permitir que o outro também nos impacte. A capacidade de reconhecer a própria participação num conflito, junto à disposição para escutar o ponto de vista do outro, é o que possibilita que a reparação seja autêntica e transformadora. Isso se reflete na ideia de mutualidade. Ao contrário de uma abordagem hierárquica ou unidirecional, em que o psicoterapeuta seria o “agente da cura”, a psicanálise relacional sustenta que ambos — psicoterapeuta e paciente — participam ativamente do processo de cura. A reparação acontece quando a relação se torna um espaço seguro para experimentar a vulnerabilidade e ressignificar o sofrimento.


Implicações na vida quotidiana

A reparação não se limita à relação terapêutica. Ela oferece um modelo para lidar com conflitos e ruturas nas relações interpessoais diárias. Ao reconhecermos que as falhas fazem parte da condição humana, podemos aprender a valorizar os momentos de reconexão como oportunidades de crescimento e fortalecimento dos vínculos.

Essa aprendizagem requer disposição para tolerar o desconforto das falhas, empatia para compreender o impacto que causamos no outro e coragem para assumir a responsabilidade pelo reparo. Assim, a reparação não é apenas um ato isolado, mas um compromisso ético e emocional com a construção de relações mais saudáveis e autênticas.


Conclusão

Na psicanálise relacional, a reparação é entendida como um processo dinâmico e essencialmente humano, que vai para além da esfera intrapsíquica e ganha corpo no encontro com o outro. Ela é uma expressão da capacidade humana de transformar sofrimento em crescimento, desconexão em vínculo, e fragilidade em força. Nesse sentido, a reparação não apenas restaura o que foi rompido, mas também cria novas possibilidades de ser e estar no mundo.

 
 
 

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Anabela Cunha

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